Brava Gente

Expressões de passageiros – do metrô, do ônibus e dos passantes das ruas de São Paulo – observadas por Tide Hellmeister estão reunidas neste conjunto de 120 trabalhos: mais de 100 pinturas e colagens acrílicas sobre papelão, da série Filhos de Deus, além de 8 obras tridimensionais. Essa coleção de personagens nasceu quando o artista morava na Praça da Árvore, durante os percursos que fazia para ir trabalhar na região central da capital paulista. Depois, no estúdio, imaginava a vida de cada um e recortava, colava e pintava seus rostos – tristes, bondosos, malandros, egoístas, avaros, generosos, abatidos ou conformados – criando pinturas absolutamente originais.
Tide Hellmeister, que entre uma ampla e notável produção como artista e designer gráfico ilustrou a coluna Diário da Corte de Paulo Francis, faleceu em 2008, no início da concepção desta mostra, concretizada então pelos esforços do filho André e da curadora Claudia Lopes. Nesta série, a obra plástica, com a sua fatura inconfundível, é combinada com textos, também criados pelo artista, nos quais Elizabeth Lorenzotticolaborou na redação. As histórias imaginadas por Hellmeister, que acompanham cada pintura, são carregadas do tom tragicômico da vida real. Pedro, Cornélio, Julio Prosa de Jesus, João Benjamin, Eli Regina e tantos outros personagens ganham imagem e biografia, com direito a datas de nascimento e morte.
Brava Gente, contou com o patrocinio da Caixa Econômica Federal. Passou pela Caixa Cultural Rio de Janeiro, Salvador,Brasília e São Paulo. A mostra conta com seis histórias que podem ser ouvidas por meio de telefones antigos em ambientação especialmente criada para cada uma das vidas inventadas pelo artista. Em comum, esses pequenos cenários trazem o clima da casa/ateliê de Tide. O catálogo, com projeto gráfico de Cláudio Rocha e André Hellmeister, textos do próprio Tide, da curadora Claudia Lopes, do designer Chico Homem de Melo e do músicoMarcelo Coelho, traz 14 personagens e há um encarte interativo para cada um compor a sua própria capa.
Recortar, colar e pintar é a linguagem que constrói a obra polivalente de Hellmeister. “…cada colagem, pintura ou montagem parece ter sido feita no vórtice de um redemoinho mental e espacial que foi incorporando em seu trajeto, figuras, móveis, pedaços de paisagem, signos, letras…para compor um feitiço encantatório muitíssimo organizado e articulado no espaço plástico, sempre com ritmo, equilíbrio e acima de tudo coerência lírica”, escreve Carlos Soulié Franco do Amaral (Inquieta Colagem, Infolio Editorial). Na mesma publicação, o professor Chico Homem de Melo ressalta que, ao evocar uma herança barroca ao mesmo tempo em que faz conviver fragmentosde várias épocas e lugares, o artista inscreve-se na cena contemporânea.

Brava Gente, um tributo de Tide Hellmeister

Elizabeth Lorenzotti

Certa vez perguntaram a Federico Fellini por que ele escolhia personagens e figurantes tão esdrúxulos para os seus filmes. Ele mesmo contou, em uma entrevista, quem fez a pergunta: uma senhora, dentro de um carro, usando um tapa-olho e com um mico no ombro. Tide Hellmeister, um dos nossos mais importantes artistas, concordaria com Fellini, se lhe fizess em a mesma pergunta sobre os singulares personagens que compõem esta “Brava Gente”. Somos todos nós, e de perto quem é “normal”? Tide criou seus personagens a partir da observação do cotidiano, dos passageiros do metrô, do ônibus, dos caminhantes nas ruas. No estúdio, imaginava a história de cada um e recortava e colava e pintava seus rostos: tristes, bondosos, malandros, egoístas, avaros, generosos, abatidos, conformados, espertíssimos, tantos…
Todos com data de nascimento e de morte, as duas únicas certezas que a espécie humana possui, e a história que construíram para preencher esses espaços. Pessoas humanas, demasiadamente humanas: Pedro, Cornélio, Julio Prosa de Jesus, Domingos, Theofilo, Gherard, Assumta, João, Benjamim, Eli Regina, Emilio, Nilo, Licurgo, Hipólito. Pela primeira vez o homem da tesoura e do pincel, o artista gráfico que conquistou um lugar único, o homem para quem “tudo é colagem”, o artista das tantas faces, que se dizia “sem palavras”, usou da palavra: sentou e escreveu.

Montou o seu teatro com tesoura, papel, tinta e escrita, como sempre fez, aliás, mas desta vez, escreveu histórias. Todas impregnadas de compaixão pelo semelhante, pelo irmão, por essa Brava Gente brasileira que agora é apresentada ao público sob forma de arte de grande qualidade, como sempre foi sua produção.
Logo agora, que ele avisou: “fui ali e volto já”. Nem precisa voltar, já que nunca partiu: a marca forte e bela de sua passagem sempre continuará entre nós.

 

Ficha técnica

André Hellmeister  Coordenação geral
Cláudia Lopes – Curadoria
Simone Ajzental – Produção executiva
André Hellmeister – Expografia
André Hellmeister e Claudio Rocha – Design gráfico
Paulo Vergolino – Museólogo
Grafitth – Execução de Molduras
Arte Impressa Comunicação & Imagem – Produção
Floriano van Tol Neto – Iluminação e montagem
Bruno di Chico – Sonorização e montagem
Paulo Duque Estrada – Montagem
Marcela Ajzental – Montagem
Rogério Carnaval – Montagem
Pixelado – Arquitetura digital de informação
Marcelo Coelho – Trilha musical
Rafael Terpins – Edição de vídeo
Rafael Ricardo Souza – Locução
Tide Hellmeister – Textos das histórias
Elizabeth Lorenzotti – Textos das histórias
Otoniel Santos Pereira – Poema de abertura
Chico Homem de Melo – Texto
Marcelo Coelho – Texto
Elizabeth Lorenzotti – Texto
A Voz do Brasil – Edição de som
Thalita Pacini – Revisão de textos
Márcio Fischer – Fotografias
Felipe Hellmeister – Fotografias Tide

Catálogo

André Hellmeister e Claudio Rocha – Design gráfico
Gilvan Peixinho – Finalização
Gráfica Águia – Impressão
Armazém Especialidades Editoriais – Acabamento