Tide Cota Zero

O design da arbitrariedade na exposição “TIDE_Cota Zero”; Com obras dos anos 1960 e 1970 do artista Tide Hellmeister, a exposição traz o maior legado da primeira fase do artista, que emprega a colagem e se apresenta como um exemplo excepcional no arco de implantação do design moderno no Brasil.

Entre 21 de julho a 3 de dezembro de 2017 o Sesc Bom Retiro recebeu a exposição “TIDE_Cota Zero”, apresentando obras do artista Tide Hellmeister, com curadoria de Paulo Miyada. Apresentando 24 obras originais de colagem, design de livros e projetos gráficos para jornais e revistas, a exposição evidencia os primeiros trabalhos do artista paulistano Tide Hellmeister (1942-2008) nas décadas de 1960 e 1970.

 

Uma surpresa que vem do passado: as construções e arquiteturas gráficas de Tide Hellmeister

Paulo Miyada

Tide Hellmeister entrou em contato com seus ofícios pela prática com mestres diversos, como o pintor João Suzuki, seu primeiro professor de pintura (por pouco tempo),o cenógrafo Cyro del Nero, seu primeiro chefe (na TV Excelsior) e o editor Massao Ohno, que, ainda na primeira metade dos anos 1960, confiou a ele seus primeiros projetos gráficos (em um contexto de pioneirismo editorial).Naquela época, o dito “estilo internacional” do design moderno difundia-se pelo Brasil, escoando da Escolade Ulm, na Alemanha. Os princípios desse estilo, aqui implantados por criadores como Geraldo de Barrose Alexandre Wollner, apoiavam-se na possibilidadede organizar o legado da arte moderna em uma sintaxe confiável para a formação de profissionais (designers, arquitetos) comprometidos com a comunicação,a legibilidade e a clareza simbólica. Tide nunca vestiu o manto de designer moderno. Respondeu a seu tempo sem submeter-se a ele.Em cada projeto que encontramos, sobra ou falta alguma coisa em relação aos modelos consolidados do estilo internacional. Experimentou muito, ousou sempre. Empregou a colagem como o recurso recorrentee multiforme em todos os seus muitos empregos na década de 1960
e, no começo da década de 1970, chamou suas colagens de construções gráficase seus projetos de design de arquiteturas gráficas.Era o sentido gráfico que dava coerência às suas práticas que se alimentavam mutuamente.
Muito do que se encontra aqui foi exposto apenas uma vez, décadas atrás. Agora reunida, essa produção surpreende pela leveza com que recombina alguns princípios racionalistas e os subverte em uma prática que exercita constantemente a arbitrariedade imagética conquistada pela colagem. Mesmo considerando a recorrência de certos elementos visuais, há sempre espaço para a surpresa na produção de Tide, seja ela conquistada no plano narrativo, compositivo ou sígnico. Essas obras agora lutam por um merecido lugar na ainda esparsa história da colagem no Brasil. Além disso, poderão ser referências para novas gerações de designers que queiram, desde o princípio de sua formação, escapar das polaridades dicotômicas (ordem-arbítrio, regra-expressão) que impregnaramos primeiros cursos de design no País no pós-guerrase que, de vez em quando, escorrem ainda para as escolas e cursos atuais.

 

Imagens ressignificadas

Danilo Santos de Miranda / Diretor Regional do Sesc São Paulo

A ideia do bricoleur, explorada pelo antropólogo Claude Lévi-Strauss, consiste na justaposição, montagem e combinação livre de elementos encontrados no ambiente ou no caminho, de maneira instintiva. O bricoleur trabalha com as mãos de diversas maneiras, recombinando signos preexistentes em usos para os quais não foram elaborados, num desejo poético de conhecimento sobre o mundo à sua volta. A alusão ao bricoleur e ao universo da antropologia é útil para pensar a prática autodidata, instintiva e centrada no uso experimental da colagem desenvolvida por Tide Hellmeister, artista gráfico paulista que fez uso de materiais e objetos de origens imprevistas. Em suas colagens, as letras e os textos são constantemente tomados por imagens, desenhadas com motivos decorativos, colunas, estátuas, frisos, bandeiras, tecidos e outros, quase sempre com algo emoldurando a figura central. Ao remontar fragmentos em novos arranjos imagéticos, as colagens recompõem pedaços e recortes de revistas e fotos, dentre outros materiais, que recombinados oferecem uma nova composição em cujas tramas se exprimem formas e sentidos inéditos. Nesta narrativa visual, a inventividade em recriar significados a partir de elementos originariamente diversos convida a estabelecer relações impensadas entre as imagens justapostas. Na mostra Tide Hellmeister: Cota Zero serão expostas algumas das primeiras produções do artista, que encontrou na colagem sua principal forma de expressão, e que representa uma resistência frente à padronização e uniformidade verificadas na produção de imagens para a grande imprensa do período, especialmente dos anos 60 e 70, além de se manter como paradigma para experiências contemporâneas de comunicação e publicação independente. Ao realizar a presente exposição, o Sesc reforça sua atenção na elaboração artística do ilustrador e designer gráfico e explora a força de criação autoral no campo editorial e nos espaços de comunicação, entendendo como aspectos importantes a atividade criativa e o livre pensar. Ao público, um convite à incursão nesta linguagem artística e no debate em torno da construção experimental das imagens no universo de Tide Hellmeister.

 

Ficha técnica:

Curadoria: Paulo Miyada
Coordenação: André Hellmeister
Expografia: grupotrëma – Elaine Terrin e Laura Sobral
Projeto gráfico: André Hellmeister + grupotrëma – Elaine Terrin e Laura Sobral
Produção executiva: MUDA práticas – Heloísa Sobral
Pesquisa e documentação: Priscyla Gomes
Textos: Paulo Miyada e Priscyla Gomes
Revisão de textos: Marcos Mauro Rodrigues
Digitalização e fotos: Studio Peter Michael
Montagem: Raphael Franco e equipe
Molduras: Capricho Molduras